segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ele há cada besta!

O jantar decorria como qualquer outro. Risos, piadas, confissões, copos cheios de vinho. Ou vazios, no entretanto. A meio da refeição, e como é hábito, lá vem a empregada perguntar se estava tudo bem e se precisávamos de alguma coisa. Não fosse a pergunta que se seguiu, o português daquela criatura provocaria a risota geral. Mas eis que ela se vira para uma pessoa do grupo e comenta:
- 'Tão minha, que corte de cabelo radical!
Silêncio. Os talheres calaram-se. As conversas cruzadas cessaram. Olhámos para ela, incrédulos, depois trocámos olhares confusos entre nós. Mas o nosso silêncio não demoveu a miúda.
- 'Tão diz lá... 'Ganda maluca, hein? O que é que te deu pa rapares o cabelo?
Silêncio. Sinto o sangue a ferver-me nas veias e começo a filmar...
A esta altura, mando com o prato às trombas da gaja. Faço voo picado sobre a mesa e aperto-lhe o galheto. Soco-a até estar exausta e ela inconsciente sem um único dente para contar a história. As imagens percorrem-me a mente mais rapidamente do que qualquer palavra.
E a estúpida, impertinente, volta à carga:
- Mas rapaste mesmo, mesmo! É que por baixo do lenço nota-se que não tens nadinha!
Estávamos petrificados. Toda a situação era simplesmente constrangedora. Surreal.
Até que, por fim:
- Olha lá, ela está doente!!
E a débil mental foi buscar uma pá, cavou um buraco bem grande e enfiou lá a cabeça. De qualquer das formas não precisava dela, já que não lhe dava grande uso.
- Ah... Não sabia que estavas doente... Peço desculpa.
Se o olhar matasse aquela miúda estava morta. Ninguém lhe respondeu, mas vontade não me faltava:
- Oh minha querida, não fique aborrecida, não? É que, 'tá a ver, o pessoal esqueceu-se de lhe telefonar a avisar que ela está doente. Se voltarmos cá será melhor fazer reserva por telefone e avisar que um de nós tem cancro? Sim, isso. Can-cro. Hum? O quê? Ah pois... bem me parecia.
Este momento que não durou mais do que dois ou três minutos pareceu uma eternidade. Para além de tudo aquilo de mau que a doença acarreta, é complicado gerir situações como esta. Entre amigos falamos abertamente sobre o assunto, damos nomes às coisas. Não temos pudor em pronunciar a palavra cancro. E, felizmente, ela fala com naturalidade sobre a quimioterapia e tudo aquilo que se vai passando no seu corpo. Mas fazê-lo com conhecidos ou estranhos... Fazê-lo com uma miúda que conhecemos apenas de um restaurante que frequentamos, é impensável.
O jantar prosseguiu com a consciência da fragilidade humana dita em voz alta.

4 comentários:

ManUel disse...

omg :(

mas ainda nao percebi uma coisa, isto foi a empregada que emitiu esses comentários?

Tudo de mim. Ou quase. disse...

Estás a referir-te às perguntas?A dita besta (empregada) conhece-nos a todos, apenas como frequentadores do dito restaurante, já que vamos lá duas a três vezes por mês. Mas como desconhecia acerca da doença decidiu ter este tipo de "saídas" menos próprias. Nem sequer pôs em causa que aquilo não era uma questão de estética. Lamentável.

ManUel disse...

nao acho é normal uma empregada que serve clientes sequer emitir ruidos desse genero.

paulo disse...

irreal. só podia.

estou sem palavras!

seco de sons...

mas que mula de empregada, bolas!

devias ter-lhe atirado mesmo o prato às trombas!