quinta-feira, 4 de junho de 2009

Breve existência triste.

Chamavam-na Rosa, os poucos que pronunciavam o seu nome. Mas o seu verdadeiro nome pouco importa. Nem sei porque raio se pensa que o nome pode ser parte da nossa identidade. A Rosa não tinha amigos, mas tinha família. O que não é necessariamente a mesma coisa. Tinha mãe, pai, duas filhas dadas para adopção e um marido desaparecido por vontade própria. Uma vida vazia, cheia de tristeza e alheamento somados. Pouco falava, os desgostos tinham-lhe roubado a voz que agora não passava de um leve murmurar, quase imperceptível. A Rosa tinha perdido tudo. A dignidade, o orgulho, as filhas que nunca chegaram a conhecê-la, os pensamentos ... e os sonhos. O que não tinha perdido, acabou por vender. O corpo e alma. Acho que já não sentia nada. As pessoas fugiam-lhe, como se carregasse com ela alguma doença transmissível. Ela apenas trazia o peso da tristeza de quem tinha perdido a vontade de lutar. Um fardo demasiado pesado para um corpo tão frágil, que se curvava perante a vida e não lhe permitia andar de costas direitas na rua. Nunca a evitei, mas a crueldade dos seres humanos para com os da própria espécie não tem limites. Mudavam para o outro lado da rua quando passava, olhavam-na com desprezo e desdém. Ou, simplesmente, viravam a cara, como se ela não existisse. Naquele dia, a Rosa não veio pedir-me dinheiro. Não veio pedir-me para lhe aplacar o desejo de beber mais uma garrafa. Não me implorou um cigarro. Aproximou-se da minha mesa e pediu-me lume. Apenas isso. Lume. Tinha o olhar de um animal assustado. Senti o coração apertar-se, tornar-se mais pequeno, bater mais lentamente, até deixar de ouvi-lo. Olhei prolongadamente para ela. Ninguém o fazia. Vi-lhe o rosto carregado de sofrimento mudo, cheio daquela tristeza gritante de quem já levou muitos pontapés da vida e das pessoas, qual cão vadio, indesejado em todos os lugares. Sorri para ela e dei-lhe o isqueiro. E, pela primeira e única vez, vi a Rosa sorrir. Agradeceu-me e foi sentar-se novamente na mesa onde estava, sozinha. O sorriso dela iluminou-me a alma. Os seres humanos são tão pequenos... Naquele momento senti-me infeliz e feliz. Se ela não fosse tão mal tratada, talvez sorrisse mais vezes, como naquele dia... Talvez ainda conseguisse sentir algo. E fiquei-lhe grata pelo sorriso sincero e triste que esboçou e guardei até hoje. Talvez ainda houvesse esperança.

Passados uns dias, a Rosa foi encontrada em casa. Morta. Simplesmente, morreu. Estava sozinha, como sempre.
Depois de muito perguntar, durante dias a fio, nunca cheguei a saber a causa da sua morte. Tristeza, talvez...

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