domingo, 28 de junho de 2009

Coisa fodida.

Não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Ela chegou assim, como uma visita não convidada e foi-se instalando. Ele permitiu. Sentavam-se à mesma mesa, partilhavam as mesmas refeições. Não raras vezes, ela enchia-lhe o copo e deixavam-se ficar em silêncio, na embriaguês da alma.

Não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Depositava a cabeça no seu colo e ela afagava-lhe o cabelo. Quando o mundo parecia ser um peso demasiado grande para trazer nas mãos, pousava-lhe a mão no ombro. Passeavam de mãos dadas na rua e deitavam-se na cama que parecia demasiado pequena para os dois.

Não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Liam os mesmos livros e ouviam a mesma música, como se fossem a continuação um do outro. Riam e choravam das mesmas coisas. Eram guardadores de tempos e silêncios e viviam na doçura amarga de se saberem, de alguma forma, um do outro.

Mas ele não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Ela chegou assim, de mansinho e foi ficando. Foi-se abrindo no peito, rasgando a carne até se tornar numa presença familiar. Lambeu-lhe algumas feridas e secou-lhe as últimas lágrimas quando nada mais havia para chorar. Corria-lhe no sangue, respirava-lhe na pele, comia-lhe os dias vagarosamente. Deu-lhe paz. A paz.

Ele não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Quem disse que a solidão não era uma coisa fodida?

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