terça-feira, 16 de junho de 2009

Cala-me a voz.


Respiro fundo antes de entrar no quarto. Magoa-me olhar para ela. Parece que diminuiu de tamanho e respira fragilidade. Abraço-a de mansinho e dou-lhe um beijo na testa. Sorrio e pergunto-lhe se hoje se sente melhor. As dores continuam a ser muitas, responde ela tristemente. Mas o pior era não poder sair dali. Não lhe digo, mas ela nem sonha a vontade que tenho de tirá-la dali... Explico-lhe, com muita calma, como se ela fosse uma menina de quatro anos, que agora tem mesmo que ficar ali para ficar boa depressa. E que tem que se portar bem e fazer tudo o que os doutores lhe disserem porque é para o bem dela. Ela ouve-me com atenção e com a cabeça acena afirmativamente. Acha que eu não devia ir lá todos os dias, que preciso de descansar e eu só lhe respondo que não me custa nada. Sorrio novamente. Não custa mesmo. Ela diz que não precisa de tantas visitas, mas eu sei que o olhar dela às 14h está fixo na porta de entrada do quarto, ansiando o chegada de uma cara amiga. Detesto este cheiro a hospital, detesto estas paredes brancas, as camas todas iguais, esta frieza que torna tudo impessoal. Detesto vê-la aqui. Ontem trouxe-lhe rosas da sua cor preferida, amarelas. Hoje levei-lhe bolos. Pouco falamos, chega mais gente ao quarto e eu deixo-me ficar sentada na cama a dar-lhe a mão. Não lhe digo que fui encontar o avô em casa a enxugar os olhos, envergonhado. Ele foi educado para não demonstrar sentimentos deste tipo. E eu fingi que não vi para lhe poupar o embaraço. Não lhe digo que parece mais velha, que cada dia que passa no hospital lhe aumenta dez anos nos olhos e que está realmente abatida. Mascaro tudo muito bem com um sorriso porque tenho que ser forte, por mim e por ela. Amanhã, quando voltar, não lhe direi que hoje, no regresso a casa, lambi lágrimas durante todo o caminho. Às vezes, amar também é calar.