terça-feira, 30 de junho de 2009

Insignificâncias #7

A escrita é um turbilhão de emoções na ponta dos dedos.
Tal como doce maçã rubra, que brilha no alto dos ramos,
mesmo no cimo de tudo, esquecida dos que andavam na colheita,
- esquecida não, é que não conseguiram aingi-la.


Safo (séc. VII-VI a.c.) (frg.105 Lobel-Page)

Só para homens :)

Conversa de café

S.: Já reparaste no L. ?

Eu (olhando para o balcão): Hum... Já. Está com mais barriga.

S.: Ahahah! Não é isso! Sabias que ele já comeu as engenheiras quase todas da empresa?

Eu: Quê??? Não acredito! Olha bem para ele... É um sonsinho... Não tem uma conversa decente, pura e simplesmente.

S.: Pois, isso é verdade. Mas um CLK e uma continha bem recheada no banco fazem milagres...

Raios. Fiquei a pensar nisto... E é verdade. Quer dizer, é verdade para algumas pessoas. Ok, ok, não posso mentir... Um topo de gama e uma boa conta bancária podem tornar um homem interessante num homem ainda mais interessante. Mas um topo de gama e uma boa conta bancária nunca farão de um homem desinteressante um homem interessante. Digo eu. Irritam-me profundamente mulheres que se deixem encantar por esse género de coisas. Às vezes assisto a cenas realmente tristes. Num daqueles domingos à tarde em que vamos ao centro comercial encontramos sempre casalinhos apaixonados. Ou não. Não se iludam, as coisas nem sempre são o que parecem. Bom, como estava eu a dizer, num desses domingos assisto a um filme absolutamente fantástico. Um casal de namorados observando montras (bah!).

Ela (pendurada no pescoço dele): Ai amor, adoro aquelas calças, são tão lindas!! E os sapatos? São o máximo! (o olhar dela é meloso, e quer dizer mais ou menos isto: compra, compra, compra!)

Ele: Sim, são. Vamos lá ver.

Entram na loja, ainda agarrados como dois siameses, e eu prolongo o meu cigarro só para confirmar o desenrolar da situação e rir-me mais um bocadinho.

Nâo deve ser preciso dizer que a princesinha saiu da loja com dois ou três sacos. E adivinhem lá quem pagou as compras?! Pois, isso mesmo. Na mouche.

Mas a excursão às lojas de marca não acabou aqui. O casalinho maravilha entrou na loja que estava logo ao lado. Como já tinha acabado o cigarro e já sabia o final do filme decidi ir à minha vidinha e ir ver um filme do qual ainda não sabia o fim.

Só por curiosidade... já no estacionamento, quando estava a entrar para o carro, avisto os dois uma vez mais. Ela carregada de sacos, ele com menos uns euros na conta.

Há alguns espécimes do sexo masculino que ficam admirados quando descobrem que têm um tremendo par de cornos a enfeitar a testa. Pois... É que se, muitas vezes, ela é inteligente e interesseira, ele está cegamente apaixonado, é rico e burro. A conjugação perfeita. E ainda pensam que os burros não têm cornos...

Eu cá continuo sem perceber... Não é que goste deles feios, porcos e maus. Este três-em-um dá-me arrepios. Prefiro-os lavadinhos e educados, se não for pedir muito. Mas um homem sem personalidade; que me faça as vontades todas; que me diga a tudo que sim só para evitar uma discussão; que passe a vida a oferecer-me presentes; que deixe de ter vida própria por minha causa; não me interessa. Nem conseguiria respeitar uma pessoa destas. Isto não me parece um homem. Parece uma nova raça de cãezinhos amestrados. Eu continuo a preferir uma boa "guerra" de vez em quando. Aprecio a capacidade de resposta, a personalidade vincada, a atitude, o carisma, a inteligência.

Uma relação sem um bocadinho de pimenta misturada com açúcar é insonsa. E eu detesto comida insonsa.

E lá volto eu a ficar pensativa... há mulheres que falam muito em emancipação. Falam, falam, mas muitas das que falam são as mesmas que são sustentadas pelos namorados ou maridos. Acaso a emancipação não passará, também, pela independência financeira? Porque é que há-de ser sempre o homem a pagar a conta do restaurante? Isto é apenas um de muitos exemplos... Eu cá prefiro continuar assim, muito obrigada. Independente!

Portanto, homens, digam lá de vossa justiça: este tipo de relação é normal? Os homens não se apercebem quando estão a ser usados?

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Um jardim.



Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensombram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho.

Safo (séc. VII-VI a.c.) (frg.2, vv. 5-8 Lobel-Page)

Insignificâncias #6

Há dias em que vale mais não sair de casa... Passei a manhã toda a sonhar acordada com a minha cama. A chuva sabe-me melhor no conforto da minha casa. Como não tenho por hábito usar guarda-chuva ,porque acabo sempre por deixá-lo esquecido em algum lado, o meu cabelo liso-liso deu lugar a ondas... Como se não bastasse, parti uma unha. Grrrrr

Não sou dramática... Sou gaja, e depois?

Ele há cada besta!

O jantar decorria como qualquer outro. Risos, piadas, confissões, copos cheios de vinho. Ou vazios, no entretanto. A meio da refeição, e como é hábito, lá vem a empregada perguntar se estava tudo bem e se precisávamos de alguma coisa. Não fosse a pergunta que se seguiu, o português daquela criatura provocaria a risota geral. Mas eis que ela se vira para uma pessoa do grupo e comenta:
- 'Tão minha, que corte de cabelo radical!
Silêncio. Os talheres calaram-se. As conversas cruzadas cessaram. Olhámos para ela, incrédulos, depois trocámos olhares confusos entre nós. Mas o nosso silêncio não demoveu a miúda.
- 'Tão diz lá... 'Ganda maluca, hein? O que é que te deu pa rapares o cabelo?
Silêncio. Sinto o sangue a ferver-me nas veias e começo a filmar...
A esta altura, mando com o prato às trombas da gaja. Faço voo picado sobre a mesa e aperto-lhe o galheto. Soco-a até estar exausta e ela inconsciente sem um único dente para contar a história. As imagens percorrem-me a mente mais rapidamente do que qualquer palavra.
E a estúpida, impertinente, volta à carga:
- Mas rapaste mesmo, mesmo! É que por baixo do lenço nota-se que não tens nadinha!
Estávamos petrificados. Toda a situação era simplesmente constrangedora. Surreal.
Até que, por fim:
- Olha lá, ela está doente!!
E a débil mental foi buscar uma pá, cavou um buraco bem grande e enfiou lá a cabeça. De qualquer das formas não precisava dela, já que não lhe dava grande uso.
- Ah... Não sabia que estavas doente... Peço desculpa.
Se o olhar matasse aquela miúda estava morta. Ninguém lhe respondeu, mas vontade não me faltava:
- Oh minha querida, não fique aborrecida, não? É que, 'tá a ver, o pessoal esqueceu-se de lhe telefonar a avisar que ela está doente. Se voltarmos cá será melhor fazer reserva por telefone e avisar que um de nós tem cancro? Sim, isso. Can-cro. Hum? O quê? Ah pois... bem me parecia.
Este momento que não durou mais do que dois ou três minutos pareceu uma eternidade. Para além de tudo aquilo de mau que a doença acarreta, é complicado gerir situações como esta. Entre amigos falamos abertamente sobre o assunto, damos nomes às coisas. Não temos pudor em pronunciar a palavra cancro. E, felizmente, ela fala com naturalidade sobre a quimioterapia e tudo aquilo que se vai passando no seu corpo. Mas fazê-lo com conhecidos ou estranhos... Fazê-lo com uma miúda que conhecemos apenas de um restaurante que frequentamos, é impensável.
O jantar prosseguiu com a consciência da fragilidade humana dita em voz alta.

domingo, 28 de junho de 2009

(Re)descobertas...

Acabei o livro que andava a ler. Posto isto, e não tendo comprado nenhum novo, eis que dou por mim a redescobrir livros arrumados há anos, entre o pó e o cheiro a mofo. Vieram parar-me aos dedos livros que li enquanto estudante na Faculdade de Letras. Ou que, supostamente, deveria ter lido. Aquilo que eu julgava ser uma redescoberta transformou-se numa descoberta... e vi-os com outros olhos, tive deles o entendimento que se ganha com o passar dos anos. Alguns nem tinha chegado a ler na íntegra, adormeciam-se-me nas mãos e ter que lê-los, quase por obrigação, tornava-se enfadonho. Nunca gostei de obrigações. Mas se os não li naquela altura, lerei agora.
Com todo o gosto.

áristos:

Deleitava-se se tinha um ramo de mirto
ou a bela flor da rosa
e a cabeleira
ensombrava-lhe os ombros e a nuca.

Arquíloco (séc.VII a.c.) (frg.26 Diehl)

Coisa fodida.

Não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Ela chegou assim, como uma visita não convidada e foi-se instalando. Ele permitiu. Sentavam-se à mesma mesa, partilhavam as mesmas refeições. Não raras vezes, ela enchia-lhe o copo e deixavam-se ficar em silêncio, na embriaguês da alma.

Não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Depositava a cabeça no seu colo e ela afagava-lhe o cabelo. Quando o mundo parecia ser um peso demasiado grande para trazer nas mãos, pousava-lhe a mão no ombro. Passeavam de mãos dadas na rua e deitavam-se na cama que parecia demasiado pequena para os dois.

Não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Liam os mesmos livros e ouviam a mesma música, como se fossem a continuação um do outro. Riam e choravam das mesmas coisas. Eram guardadores de tempos e silêncios e viviam na doçura amarga de se saberem, de alguma forma, um do outro.

Mas ele não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Ela chegou assim, de mansinho e foi ficando. Foi-se abrindo no peito, rasgando a carne até se tornar numa presença familiar. Lambeu-lhe algumas feridas e secou-lhe as últimas lágrimas quando nada mais havia para chorar. Corria-lhe no sangue, respirava-lhe na pele, comia-lhe os dias vagarosamente. Deu-lhe paz. A paz.

Ele não a amava. Tinha-se habituado a ela.

Quem disse que a solidão não era uma coisa fodida?

Insignificâncias #5

Chuva.
Chove torrencialmente. Eu gosto.
Acordar assim... em mim.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Há dias em que me farto das pessoas...


Outros há em que me farto de mim e de ser gente como os outros...

Insignificâncias #4

É tempo de... temperar o corpo e a mente...
...

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Outras vezes dói-me o vazio de nunca ter amado ninguém.
amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor amor
Às vezes doem ... os sentimentos...

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Da alma e outros demónios.

E, no dia escurecido, eu li-te a alma de poeta. As palavras cansadas, adormecidas na saciedade do cair da noite. As letras, angustiadas e reprimidas, encadeadas no corpo mudo. Só na noite ofuscante te velo os sonhos. Mas só quando me sinto acordada em mim...

Pesadelo. Alguém sabe interpretar sonhos?

Tem cuidado com aquilo que desejas. Já tinha ouvido a frase um par de vezes, já a tinha proferido outras tantas. Nos últimos dias, tendo sofrido de insónias desgastantes, muito em parte devido ao calor, aquilo que mais desejava era uma boa noite de sono. A noite passada trouxe uma brisa mais fresca e agradável e senti-me satisfeita. Finalmente teria uma noite de sono tranquilo. Ou, pelo menos, foi o que pensei.
...
Tento descobrir a razão de tamanho pesadelo, passei toda a manhã a pensar nisso... Ainda não cheguei a uma conclusão. Talvez alguém perceba de interpretação de sonhos. Eu não.
...
Ao que sei, o fogo é o meu elemento, mas na água também me sinto bem. Ninguém diria. Com apenas seis anos vivi a experiência de sentir-me afogar. Apesar de ainda não saber nadar, todas as minhas tardes quentes de Verão eram passadas na água, bem à beirinha. Numa dessas tardes, aquele estúpido imaginou (sim, imaginou, que isto de pensar de forma concreta e objectiva não é para todos) que eu sabia nadar e decidiu atirar o meu corpo franzino para um sítio onde não tocaria com os pés no fundo.
Olhos abertos, medo, luta. O sol reflectido lá em cima, na água. Não sei quanto tempo passou. Bastante. Não demasiado, felizmente. Senti dois braços em volta da cintura. Emergi. Tossi, água e algumas ofensas, mas nada me demovia. O medo não era suficientemente forte e passados poucos minutos continuava a chapinhar na água, à beirinha como sempre, com os lábios roxos e o fato de banho amarelo.
Sei que no Verão seguinte já sabia nadar. Não sei como aprendi. Lembro-me que não admitia que me agarrassem na tentativa de me ensinarem. Não sei como aconteceu, mas que aprendi, aprendi. Adoro água, adoro andar debaixo dela até não aguentar mais suster a respiração. De olhos abertos, sempre.
...
As imagens do pesadelo desta noite voltam à minha mente.
Não sei como fui parar ali. Estou em pânico. Não consigo mexer os braços, as pernas não me respondem. A claridade do sol, desmaiada na água, está demasiado longe. No fundo, luzes de uma cidade submersa. A água afoga-me os pulmões em goladas. Tenho que sair daqui. Não consigo respirar, tenho que respirar. Preciso de ar. Preciso de ar... Não pensei mais. Uma doce escuridão começou a embalar-me. Senti-me sonolenta. Queria adormecer...
...
Subitamente abro os olhos. Tenho o cabelo molhado, colado às costas. A respiração ofegante. Ardem-me os olhos e o coração, encolhido, bate contra o peito desenfreadamente.
Foi só um pesadelo, foi só um pesadelo.
Levanto-me, ainda fora de mim, vou para a varanda. Acendo vagarosamente um cigarro e respiro fundo. O fumo sai em espirais contra o céu estrelado. Quase me dói sentir o ar encher-me o peito. As luzes da rua velam o sono das casas adormecidas. Estou acordada. Estou viva.
Foi só um pesadelo, foi só um pesadelo...

terça-feira, 23 de junho de 2009

Haverá sempre outros.

Uns partem. Alguns voltam. Outros não. Mas existirão alguns, daqueles que ainda não estiveram connosco e partiram, que se darão a conhecer. E novas cores surgirão.

Desafio de hoje.


Insignificâncias #1
Escolher uma banda sonora de que se goste especialmente. Sapato ou qualquer outro tipo de calçado não entra. Apenas são permitidos pés descalços. Objectivo: dançar até acelerar o ritmo cardíaco, embriagar a alma e não sentir os músculos. Atingir "aquele" (!) cansaço bom.

http://oslobosnaousamcoleira.blogspot.com

Este será o primeiro "sítio" onde procurarei um novo desafio ou sensação.

Coisas simples.

Até sou uma mulher simples, complexidades à parte... Não tenho o secreto sonho ( ou delírio... ) de ir à lua ou comprar por lá um terreno para fazer uma vivenda, não ando a amealhar uns trocos para comprar um quatro rodas topo de gama ou um trapo qualquer de estilista. Não. Nada disso. Eu gosto mesmo é das coisas simples. Perplexos? Passo a explicar, se conseguir, que isto de arranjar palavras para tudo é moroso e complicado. Gosto de rotinas, de habituar o corpo e a mente a algumas regras, só para experimentar alguma sensação de controlo da minha vida. De surpresas já não gosto tanto, tenho algum receio que um dia seja surpreendida por uma emoção mais forte e tenha um ataque cardíaco ali mesmo.
O que eu gosto mesmo, mesmo a sério, é tudo aquilo a que normalmente não se dá grande valor. As insignificâncias. As coisas vulgares, mas nem por isso desprovidas de importância. A vida vai desafiando a triste ideia de sermos apenas humanos e finitos com essas pequenas coisas tão alcançáveis como desvalorizadas. Eu dou valor. Até a existência mais sensaborona pode ganhar novo fôlego. Basta adoptar a regra dos três S's : sensação, sensacionismo e muita sensibilidade.

Por isso mesmo me atrevo a assumir um compromisso perante o meu próprio blog e quem quiser, de alguma forma, ler-me: postar diariamente sensações. Ou qualquer coisa assim...
Fica aqui o desafio para quem quiser partilhar.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ainda insónias...

C'um mil raios... Qual será a primeira a ceder? Eu ou a insónia?

Insónias.

Insónia. A noite passada custou tanto a passar que o aproximar de uma nova noite me assusta... Insónia. Tentei ludibriar a mente. Tentei convencê-la que o sono tardava a chegar devido ao bafo quente trazido do céu. Abri a janela e ele não saiu. Insónia. O vinho não surtiu o efeito desejado. Da próxima vez terei que aumentar a dosagem, pensei.
Talvez a tarde de hoje, banhada de água e sol, me tenha cansado o corpo e a mente de tal forma que adormeça pequenina. Em todo o caso, e para que não haja falhas, encherei novamente o copo.

sábado, 20 de junho de 2009

Sempre a mesma m....

Às vezes as pessoas em geral,muito no geral, irritam-me. Só me apetece bater-lhes. Ou então bater em mim mesma, vivenciar uma experiência masoquista só para ver se aprendo. Tudo isto ainda a propósito de amores, ou melhor, desamores. Como alguém me disse há uns meses atrás : " O pessoal gosta é de levar na boca.". É tão verdadeiro e ao mesmo tempo tão ridículo. Quem assiste a uma partida ou aguarda desesperadamente uma chegada está sempre na merda. Pois, acho que é mesmo esse o sítio exacto, algures entre a sanita e o autoclismo. Mas porque é que só corremos atrás de quem nos "dá para trás"? Homens, mulheres, não existe distinção. Porque é que, só para marcar a diferença, não damos valor a quem no-lo dá? Porque não havemos de querer quem está sempre ali, para o que der e vier, permanece no silêncio, invísivel, mas mesmo assim está sempre? Pois, talvez esse alguém seja apenas estúpido, aguarde um sinal nosso, mas o sinal nunca chega e o idiota não percebeu a dica do somos-tão-bons-amigos. Apenas. Talvez também goste de levar na boca, ganir e abanar o rabo.
É por isso que encontrar um amor correspondido deve ser mesmo uma grande sorte. Melhor do que ganhar o Euromilhões. Ou casar com o Cristiano Ronaldo.
Da minha parte vou puxar o autoclismo. Espero que não faça merda de novo. Não gosto de levar na boca, não gosto mesmo.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Já não há.


Sinto-me perdida e triste. Acabei de chegar à conclusão que, nos dias que correm, o amor é uma questão prática.
E eu serei para sempre uma romântica assumida. Estupidamente romântica. Demasiado romântica para um mundo de fico-contigo-porque-me-dá-jeito. Já não se cometem loucuras por um amor desmedido. Hoje em dia é tudo pensado e planeado, feito de acordos. Acho que continuo a preferir morrer de amor.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Doçuras...


Mais um dia de trabalho que chega ao fim. No caminho que percorro do trabalho para casa e que se traduz em apenas três minutos, avisto a F. ao longe. Corre na minha direcção. Atira-se para o meu colo e abraça-me muito com a cabeça encostada ao meu pescoço. Segreda-me ao ouvido:
- Cheiras a bolos...

Há momentos verdadeiramente doces.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Estou farta.

Há dias assim. E noites também. Há dias e noites em que me sinto farta de tudo.
Farto-me de cozinhar e fazer bolos só para mim e depois comer com o rabo sentado em frente à televisão. Farto-me de tentar ter a casa sempre limpa e arrumada. Farto-me de lavar, estender, apanhar e engomar roupa. Farto-me de ter que me lembrar de pagar as contas e organizar as papeladas todas num dossier ridículo da Mafalda. Farto-me de ouvir sempre a mesma pergunta: "Já tens alguém?". Farto-me de me sentir tão farta que não me apetece fazer nada. Farto-me de adormecer sozinha, principalmente nas noites frias, quando sabia bem sentir dois pés a aquecerem os meus. Farto-me de ser tão independente e, mesmo assim, sentir vontade de que alguém cuide de mim, só para variar. Farto-me de ver a minha casa vazia. E o coração tão cheio... Farto-me de ser sozinha. Eu e a minha gata.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Cala-me a voz.


Respiro fundo antes de entrar no quarto. Magoa-me olhar para ela. Parece que diminuiu de tamanho e respira fragilidade. Abraço-a de mansinho e dou-lhe um beijo na testa. Sorrio e pergunto-lhe se hoje se sente melhor. As dores continuam a ser muitas, responde ela tristemente. Mas o pior era não poder sair dali. Não lhe digo, mas ela nem sonha a vontade que tenho de tirá-la dali... Explico-lhe, com muita calma, como se ela fosse uma menina de quatro anos, que agora tem mesmo que ficar ali para ficar boa depressa. E que tem que se portar bem e fazer tudo o que os doutores lhe disserem porque é para o bem dela. Ela ouve-me com atenção e com a cabeça acena afirmativamente. Acha que eu não devia ir lá todos os dias, que preciso de descansar e eu só lhe respondo que não me custa nada. Sorrio novamente. Não custa mesmo. Ela diz que não precisa de tantas visitas, mas eu sei que o olhar dela às 14h está fixo na porta de entrada do quarto, ansiando o chegada de uma cara amiga. Detesto este cheiro a hospital, detesto estas paredes brancas, as camas todas iguais, esta frieza que torna tudo impessoal. Detesto vê-la aqui. Ontem trouxe-lhe rosas da sua cor preferida, amarelas. Hoje levei-lhe bolos. Pouco falamos, chega mais gente ao quarto e eu deixo-me ficar sentada na cama a dar-lhe a mão. Não lhe digo que fui encontar o avô em casa a enxugar os olhos, envergonhado. Ele foi educado para não demonstrar sentimentos deste tipo. E eu fingi que não vi para lhe poupar o embaraço. Não lhe digo que parece mais velha, que cada dia que passa no hospital lhe aumenta dez anos nos olhos e que está realmente abatida. Mascaro tudo muito bem com um sorriso porque tenho que ser forte, por mim e por ela. Amanhã, quando voltar, não lhe direi que hoje, no regresso a casa, lambi lágrimas durante todo o caminho. Às vezes, amar também é calar.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Quero.


A casa parece-me diferente à noite. Deve ser este silêncio que a enche de vazio. É nestas noites que me sinto sozinha, é nestas noites que engolem os dias que sinto saudades do que nunca tive. É nestes momentos que sinto aquela pequenez de que tanto falo. Nunca apreciei qualquer tipo de dependência, mas sinto que essa ideia me atormenta em cada noite que adormeço com a solidão inquieta a bater-me no peito... Não quero perder a doçura de quem acredita em amores eternos, não quero crescer nunca. Não quero deixar de acreditar, não quero sentir medo e ter que proteger-me de mim e dos outros. Quero continuar a sujar a cara com gelado de morango ou de chocolates que se derretem nos dedos e na boca. Quero passear de mãos dadas, olhar para as estrelas e pedir desejos em segredo. Quero ler e fazer planos a dois. Partilhar refeições e bolos, risos e sorrisos, pele e carne, cheiros e toques. Quero trocar beijos envergonhados e fugidios na sombra de um banco de jardim e olhares cúmplices e carregados de desejo no meio de uma multidão. Quero alguém com quem entardecer e arder na réstia de luz calada que entra timidamente pelas janelas. Quero encher este silêncio escondido nas paredes com beijos e o nosso cheiro, o teu e o meu. Quero noites de fogo nunca adormecidas e manhãs de domingo despreocupadas e lânguidas. Quero sentir que tenho alguém e sentir-me desse mesmo alguém. Quero adormecer cheia de cansaço e com a firme certeza que amanhã continuarás aqui, em casa e a respirar-me no peito, sem preocupações. Quero viver rotinas contigo e saber que estaremos sempre em casa, desde que estejamos juntos. Quero namorar, sempre, por mais tempo que passe, por mais que sinta os olhares desaprovadores na pele, eu quero namorar, sempre. Os adultos esquecem-se de namorar... Isto de termos que nos comportar de determinada forma consoante a idade é verdadeiramente limitante. Não quero crescer nunca. Mesmo.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O tempo não tem tempo.

A palavra tempo sempre despertou em mim sentimentos contraditórios. Nunca o entendi muito bem: afinal quanto tempo tem o tempo, quanto tempo nos dá o tempo?
Recomecei a usar relógio de pulso apenas de há uns anos para cá... Tudo porque, de cada vez que o usava, sentia que ele teimava em apressar-me para algo que não queria que chegasse, evaporava minutos que queria viver para sempre ou, simplesmente, não avançava para algum momento que ansiava que acontecesse. Daí até se tornar um vício olhar para os três ponteiros no mostrador, foi um passo. Passava a vida, suspensa na ansiedade, de olhos postos no pulso, observando cada deslizar cadenciado até que, a muito custo, consegui manter com aquele engano engenhoso uma relação mais saudável.
Nas minhas certas incertezas sei, agora, que o tempo é eterno e se move em círculos. Traz, leva e, muitas vezes, devolve aquilo que arranca de nós à socapa, qual caçador furtivo à espera da melhor oportunidade para apanhar a presa desprevenida.
Aprendi a apreciar os instantes que antecedem algo que eu quero muito que chegue... o batimento cardíaco acelerado, a garganta seca e a cabeça produzindo mil imagens que de tão desejadas se tornam reais. Consigo, agora, aproveitar a brevidade de momentos em que um olhar indiscreto e inquieto diz tudo, sem angustiar-me com o inevitável fim. O olhar, esse, guardo-o na escassa eternidade de que me faço e, por isso, sobrevive ao avançar galopante do tempo. Diz-se do momento ser o mais breve período em que o tempo pode dividir-se. Eu digo, esse momento poderá ser o mais duradouro de todos, dentro da sua curta duração. Já não penso nas noites que comem os dias impiedosamente, porque os risos e sorrisos, os olhares cúmplices sobrepõem-se à triste ideia de finito. E isso chega para que tudo se sustenha. Embrulho cada pedacinho de cada momento em papel colorido, porque um dia estaremos demasiado velhos para dizer piadas sem sentido e viveremos de memórias. Redescobriremos, então, cada um deles no pó de tempos passados, mas que permanecem tão presentes agora como naquele lapso de tempo. Neste tempo não há tempo. Neste tempo, ausente de si mesmo, deixo apenas que os meus sentidos naufraguem em instantes que carregarei comigo, eternamente.
Acho que voltarei a esquecer-me de usar relógio...

Aguarda-te ao chegar.


Calas-me a voz, voz do olhar
Sinto que o tempo tarda em chegar
Distante, ausente, sinto apertar
O peito ardente por te encontrar
Na minha alma que anseia urgente
Pelo momento de ter-te presente
P'lo infinito, estendo os meus olhos
Um mar de mil desejos, aguarda-te ao chegar
Encho a minha taça vazia
Com perfumes de poesia
Bebo a saudade amarga e fria
E então adormeço ao luar
Calas-me a voz p'ra lá do tempo
Estrelas que caem por um lamento
Espumas na areia, solta no vento
O meu silêncio, meu sentimento
Em minha alma que chora vazia
Por um momento se acende a magia
P'lo infinito estendo o meu sorriso
Num mar azul de sonhos
Acorda-me ao chegar...
Encho a minha taça ardente
Com o incenso doce e quente
Sirvo de beber à alegria
Que sinto ao ver-te chegar
Calas-me a voz...
Em minha alma que chora vazia
Por um momento se acende a magia
P'lo infinito estendo os meus olhos
Um mar de mil desejos
Aguarda-te ao chegar
Cristina Viana/Carlos Viana

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Colisão. Em câmara lenta.


Ainda não sei como entraste. Logo eu, que nunca gostei de sentir a casa demasiado cheia. Pessoas, quadros, móveis. Pó. Agradam-me as paredes. Brancas, vermelhas. É como se, na sua imponência, confessassem timidamente coisas passadas. Tudo o que está a mais desvia a atenção daquilo que realmente importa. Também nunca me agradou muito o factor surpresa. As poucas pessoas que recebo em casa são sempre convidadas previamente. Para o caso de não serem... a campainha está ao lado da porta, lá fora, só para o caso de. E tu chegaste sem avisar. Quando me apercebi de ti, estavas cá. Confortavelmente. Surpresa. Olhei para o chão de madeira e não vi malas nem bagagens. Estranhei a familiariedade com que me olhavas, o à vontade com que me descobrias em cada canto meu. Tive medo que me conhecesses, senti-me vacilar dentro de mim, encher-me de incertezas. Tudo mudaria irreversivelmente. Mas aproximaste-te de mim, seguro, e nos teus passos ouvi o respirar das folhas, o vento revolver as entranhas e desalinhar-me o cabelo. Tremi. Quis esconder-me ou fugir, nem sei. Não o fiz. Deixei-me ficar, quieta, com o ritmo do coração descompassado na boca e na cabeca. As pernas trémulas, uma sensação estranha no estômago. Uma mistura de imagens, sons, cheiros invadiu me a alta velocidade. Queria perceber... De alguma forma, descobrir-te a alma em algum lugar. O olhar, atento, tentando desvendar o que se seguiria, ansiando saber que sentimentos carregarias contigo, a que velocidade bateria o coração dentro do peito, que segredos me dirias sem falar. Observei-te silenciosamente, porque qualquer palavra estaria a mais. Apaziguaste-me o coracão e a alma com os olhos e as mãos e, subitamente, notei... Reconheci-te. Sempre te desejara. Sempre tinha esperado a tua chegada, mesmo sem saber quem eras ou como serias. Sempre almejara que acontecesses. E sempre soube que, quando chegasses e apesar de ainda não te conhecer o corpo, me sentiria em casa. Mas até aquilo que desejamos muito pode assustar, ganhar as proporções de um maremoto interior que varre tudo por onde passa, quando nos aparece sem aviso.

Poderei ir embora, se preferires, quando quiseres, dizias tu calmamente. Murro no estômago. Súbita vontade de chorar. A minha pequenez. E se eu quisesse que nunca fosses? Não quero que vás... Com os olhos, pedi para ficares. A minha maior tristeza sempre fora sentir me uma pessoa avulso. No entanto, tinha a certeza que existias. Sabia, no fundo, que por mais que tentasse esconder-me ou fugir, não conseguiria. A alma sabe sempre o caminho de casa. Ainda não sei como entraste, não sei. Não interessa. Mas um dia ainda me hás de dizer porque é que não partiste.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Palavras. As certas?




És um livro ilustrado. Silêncios, palavras e imagens, vou-te sorvendo lentamente. Não quero que findem. Nunca. Não te leio de uma só vez, embora sinta essa vontade muitas vezes. Quero conhecer tudo, mas mantenho a calma. Abro-te e folheio-te. Volto atrás. Começo de novo. Leio as mesmas frases para melhor te entender e depois fecho-te e guardo-te bem junto a mim. Deixo-te escondido do mundo num ninho de algodão, flores, folhas e palavras feitas de ternura e afecto. Quando regresso continuas lá. Em cada linha, a tua voz, o som das palavras que dançam nas folhas e me chegam aos ouvidos como carícias. Em cada imagem encerrada em ti, voltam o teu sorriso e olhos doces de menino pequeno que eu quero, a todo o custo, proteger nem sei de quê. O mundo lá fora é cruel. Não te digo. Vendo-te os olhos com beijos para que não te apercebas, para que te sintas seguro comigo. Não quero voltar a sair daqui. Cada vez que transponho as portas, elas transformam-se em muros altos, cada vez mais altos. A cada regresso, o cansaço aumentou e a vontade de permanecer neste calor acolhedor envolve-me. Devo sair, mas não quero. Não vou. O teu cheiro silencioso, que consigo tocar com os dedos e está impregnado de ti e já em mim, fala mais alto do que qualquer grito ensurdecedor. Chamas-me, mesmo sem te ouvir. Adivinho-te o sabor. Umas vezes doce, outras salgado. Fresco. Quente, a queimar as entranhas. Desenho-te o corpo, branco e mudo, na brevidade de um fechar de olhos e repouso em ti. Sinto o teu respirar em cada poro meu. Leio-te os silêncios ou, então, deixo me ficar contigo nesse silêncio que é nosso, sem pensar em nada. Calados, dizemos muitas coisas. Cada vez que te abro continuas lá, presente. Já te conheço mas, mesmo quando te releio, descubro sempre algo novo nas entrelinhas. E então, surges em mim com força renovada. Deslizas suavemente, tocas-me as mãos e serenas-me os ímpetos. Abro-te e folheio-te uma vez mais. A cada dia, todos os dias. Surge uma folha branca. Confusão. Por instantes, pensei-te perdido. Pego na caneta, feita de arco íris, comeco a escrever cuidadosamente. Afinal, ainda há alguma coisa por escrever. Eu quero escrever-me em ti. Não quero mais nada. Quero-te todo. Fundimo-nos. Pele, carne, cheiro, voz, toque, sabor. Olhos que sentem. Não sei onde começo ou acabo. Talvez não possa isolar-me do mundo inóspito que observo da janela, agarrada a ti. Mas quero-te comigo. Levar-te-ei, verás horrores e coisas belas. Não te largarei da mão, prometo. Iremos, lado a lado. Dois contra o mundo, se preciso for. Não sei se encontraremos uma planície calma, onde a chuva e o sol sopram levemente nas brasas do corpo e da alma. Não sei se acharemos o cume de uma montanha onde as nuvens e as constelações são pêndulos que tocamos com os olhos. Encontraremos um abrigo, onde for. À partida, não há batalhas perdidas.

Palavras. Erradas?

Sento-me na cadeira com alguma circunstância. Pego na folha em branco e na caneta de tinta permanente. Muito direita, como se fosse escrever algo demasiado importante, respiro fundo. Quero escolher, entre todas as palavras, as certas. Perguntarás porque decidi escrever. Talvez queira prolongar por mais alguns instantes eternos a minha breve existência. Sei que entenderás tudo o que digo para além daquilo que, de facto, digo e é tão pouco.
Volto a inspirar e expirar prolongadamente, quase em jeito de suspiro. De alguma maneira, sinto-te cerzido a mim, de uma forma latente mas consciente.
Perdoa-me. Por tudo e por este nada. Acho que não consigo escrever-te. As palavras que congemino silenciosamente parecem erradas na simples folha de papel.
Coloco-as nas tuas mãos.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Breve existência triste.

Chamavam-na Rosa, os poucos que pronunciavam o seu nome. Mas o seu verdadeiro nome pouco importa. Nem sei porque raio se pensa que o nome pode ser parte da nossa identidade. A Rosa não tinha amigos, mas tinha família. O que não é necessariamente a mesma coisa. Tinha mãe, pai, duas filhas dadas para adopção e um marido desaparecido por vontade própria. Uma vida vazia, cheia de tristeza e alheamento somados. Pouco falava, os desgostos tinham-lhe roubado a voz que agora não passava de um leve murmurar, quase imperceptível. A Rosa tinha perdido tudo. A dignidade, o orgulho, as filhas que nunca chegaram a conhecê-la, os pensamentos ... e os sonhos. O que não tinha perdido, acabou por vender. O corpo e alma. Acho que já não sentia nada. As pessoas fugiam-lhe, como se carregasse com ela alguma doença transmissível. Ela apenas trazia o peso da tristeza de quem tinha perdido a vontade de lutar. Um fardo demasiado pesado para um corpo tão frágil, que se curvava perante a vida e não lhe permitia andar de costas direitas na rua. Nunca a evitei, mas a crueldade dos seres humanos para com os da própria espécie não tem limites. Mudavam para o outro lado da rua quando passava, olhavam-na com desprezo e desdém. Ou, simplesmente, viravam a cara, como se ela não existisse. Naquele dia, a Rosa não veio pedir-me dinheiro. Não veio pedir-me para lhe aplacar o desejo de beber mais uma garrafa. Não me implorou um cigarro. Aproximou-se da minha mesa e pediu-me lume. Apenas isso. Lume. Tinha o olhar de um animal assustado. Senti o coração apertar-se, tornar-se mais pequeno, bater mais lentamente, até deixar de ouvi-lo. Olhei prolongadamente para ela. Ninguém o fazia. Vi-lhe o rosto carregado de sofrimento mudo, cheio daquela tristeza gritante de quem já levou muitos pontapés da vida e das pessoas, qual cão vadio, indesejado em todos os lugares. Sorri para ela e dei-lhe o isqueiro. E, pela primeira e única vez, vi a Rosa sorrir. Agradeceu-me e foi sentar-se novamente na mesa onde estava, sozinha. O sorriso dela iluminou-me a alma. Os seres humanos são tão pequenos... Naquele momento senti-me infeliz e feliz. Se ela não fosse tão mal tratada, talvez sorrisse mais vezes, como naquele dia... Talvez ainda conseguisse sentir algo. E fiquei-lhe grata pelo sorriso sincero e triste que esboçou e guardei até hoje. Talvez ainda houvesse esperança.

Passados uns dias, a Rosa foi encontrada em casa. Morta. Simplesmente, morreu. Estava sozinha, como sempre.
Depois de muito perguntar, durante dias a fio, nunca cheguei a saber a causa da sua morte. Tristeza, talvez...

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Ausência.

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo'

Esquecimento.

Ele pensou que seria mais fácil desistir. Escrever a dor, não para a reforçar mas, de alguma forma, adormecê-la num sono profundo. A escrita poderia tornar-se esquecimento. Embriaguez da alma. Ele esqueceu os nomes e os rostos. Apagou caminhos percorridos para não poder retroceder. Ele perdeu-se por não querer encontar-se nos sorrisos familiares daqueles que não mais conhecia. Cobardia. Coragem. Ou as duas. Elas podem andar de mãos dadas. É possível a sua coexistência no corte com aquilo que julgamos ser necessário à nossa sobrevivência, enquanto seres sociais e dependentes de contacto. Ele selou cuidadosamente cheiros em envelopes escuros e enviou-os para longe, sem destino. Rasgou fotografias nas quais nada reconhecia. Queimou papéis amarrotados, bilhetes e folhas soltas, tudo guardado desordenadamente em gavetas. Já não sabia quem lhos tinha escrito ou para quem, em dias longínquos, os escrevera. Nem tinha a certeza se aquelas palavras foram suas. Delas, apenas a letra não lhe era totalmente estranha. Removeu cada partícula de outros impregnada em si. Cirurgicamente, para não deixar marcas. Imaginou-se sozinho. Não estava... Tinha-se por companhia. Gostou de sentir esse abandono a si mesmo, essa liberdade isenta de memórias. Ele esqueceu. Esqueceu-se. E viveu mais feliz.

Ou não.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Ninguém me vê.

Às vezes acho que ninguém me vê. Melhor pensando, sinto essa falta de visão dolorosamente constante. Acompanha-me como uma sombra, só para que não me esqueça... Assombra-me em sonhos e pesadelos, para que me lembre. Viver não mais é que pintar uma aguarela à chuva. As imagens que vão surgindo desfazem-se no mesmo instante, antes de ganhar delas real consciência. A minha existência é vivida em contraluz.
Olham para mim, talvez... Ninguém me vê. Ninguém me sabe. Tu não. Nem eu.