terça-feira, 25 de agosto de 2009

Do coração. E OUTROS DEMÓNIOS.

Tens que o segurar bem, para não cair. Mas não podes apertá-lo demasiado, para que não o sufoques. Não sei em que momento me esqueci de to dizer. Deveria ter dito? Não o deixaste cair, bem sei. Agarraste-o como quem está a afogar-se se agarra a uma bóia. Agarraste-o como um moribundo agarra a vida num suspiro. Agarraste-o com as duas mãos, sôfrego, como se lhe quisesses beber a vida, em forma de sangue; como se quisesses fazê-lo bater dentro do teu peito. E quanto mais o apertavas contra ti, mais a minha vida se esvaía pelos poros. A minha respiração desacelerou. Senti o corpo entrar em delírio. Mas não me importei. De qualquer das formas, agora também já não quero que mo devolvas. Ele sempre foi como um animal selvagem, correndo em campos de girassóis, chapinhando em ribeiras de água doce, onde os peixes vinham beijar os pés nus. Ele sempre foi livre. Até que se rendeu, cansado, demasiado cansado para bater sozinho. Foi-se aproximando lentamente, ainda assustado. Chegou bem perto de ti. Suficientemente perto para te respirar. Bateu mais fortemente como que a avisar-me que estavas ali. Tentou ganhar asas como um pássaro pronto a voar pela primeira vez. E eu sentia as asas baterem-me no peito, roçarem-me a pele, revolverem-me o cabelo. Era urgente. Ele queria. E eu nada mais podia fazer. Não podia prendê-lo mais. Não lhe conseguia ler os batimentos de tão fortes e descompassados que eram. Ecoavam-me na carne; descobriam-me a pele, debaixo da roupa; atordoavam-me os sentidos. Tinha que deixá-lo partir. Esta já não era a sua casa. Ele queria ser livre noutro peito. Queria bater noutro compasso. E eu não quis deixá-lo ir sozinho ao teu encontro. Ele já conhecia o caminho que o levava a ti. Mas eu quis acompanhá-lo, fazer a última viagem com ele dentro de mim. Ele pegou-me na mão e eu senti-me mais pequena do que nunca. Fechei os olhos e deixei-me ir. Naquele momento era ele o meu dono. O meu mestre. A viagem não foi longa, não foi. Por entre todas as encruzilhadas, ele seguiu sem enganar-se. Parou. Eu abri os olhos. Ceguei. Fechei-os novamente e abri-os lentamente, uma vez mais, como se estivesse a habituar-me ao que via. Ele continuava a bater. Agora, docemente. Tinha chegado ao seu destino. Podia descansar um pouco. Não me despedi. Olhei-o uma última vez e só aí.... peguei cuidadosamente no meu coração e o depositei. Nas tuas mãos.
Afastei-me vagarosamente. A ferida aberta. A dor. Lancinante. Corri, na tentativa vã de lhe fugir. Caí. Os joelhos nus nas pedras do chão. No pó da estrada. E só aí... chorei. Sem soluços. Apenas lágrimas que pisavam as folhas e trepavam pelos ramos que me secaram na alma, apenas lágrimas que me saíam pelos olhos, rebolando cintilantes pelas faces. Quentes. Salgadas. Doridas. Levantei-me a custo, sacudi o vestido. Tentei respirar fundo, mas o ar não me enchia o peito. Cada vez que tentava fazê-lo, era um murro no peito vazio. Olhei para o horizonte. Para onde iria? Estava perdida.... Tinha esquecido o caminho de casa.
 
 

1 comentário:

Anónimo disse...

Por vezes, a dor provoca um estado de pânico.
Uma sensação desagradável, sem dúvida.

Beijoca