terça-feira, 26 de maio de 2009

Hoje acordei especialmente contente.


Hoje acordei contente. Minto. Hoje acordei especialmente contente. Só contente, acordo muitos dias...
É bom. Acordar sem o barulho irritante do despertador, com os lençóis mudados de véspera ainda a cheirar a fresco. O chilrear dos pássaros. A ausência do barulho do trânsito. A luz do sol reflectida no cortinado vermelho. É bom. Espreguiço-me por segundos lânguidos. Levanto-me e olho o espelho. Hum... Dormi pouco, é verdade. Esta ansiedade, vinda sei lá eu de onde, impediu-me de adormecer cedo. Mas não tenho olheiras e sorrio para o meu reflexo.
Hoje acordei especialmente contente.
Tomo um banho morno, desço as escadas para a cozinha e preparo um café. Grande, cheio, daqueles que só bebo em casa. A minha bichana parece adivinhar o meu estado de espírito. Roça-se levemente nas minhas pernas à espera de mimo. Dou sempre. Acendo um cigarro e levo a caneca comigo. Gosto deste cheiro. Os primeiros indícios de calor guardaram as meias de lã na gaveta, devolveram-me a vontade de andar descalça pela casa e sentir o soalho frio nos pés.
Hoje acordei especialmente contente. Já tinha dito, não?
Sinto-me novamente uma menina pequena. Vou sê-la. Volto a carregar os livros na sacola cor-de-laranja, quase do meu tamanho, que a minha mãe me fez. Apesar de ainda não conseguir lê-los nunca os deixo, andam sempre comigo. Isso e as canetas de todas as cores e mais algumas. Descubro as palavras em folhas usadas que já foram brancas. Tento decifrar a forma como se desenham. Aprendo as vogais. E acredito, ingenuamente, que conseguirei ensinar o meu vizinho analfabeto a ler. Hoje sou aquela menina que chega a casa com os joelhos esfolados e o vestido sujo, depois de andar a jogar à bola com os outros meninos. Volto a comer pão com Tulicreme e Nutella às colheradas. Ou Nestum de mel, directamente do pacote. Salto e corro, rebolo na erva. Tento agarrar boboletas coloridas. Vou para as ribeiras, que por esta altura vão secas, apanho pedrinhas lisas e de forma arredondada. Salto e corro. Salto e corro... O meu cão d´água salta à minha volta, entre latidos de satisfação. Salto e corro. Salto e corro... Caio. Mas não importa. Chego, uma vez mais, com o vestido sujo a casa. A minha mãe ralha comigo por ser tão maria rapaz. Mas não importa. Amanhã faço o mesmo.
Hoje acordei especialmente contente. Não sei explicar a razão. Tenho a alma cheia de alegria. A alegria pueril de quem não se importa. De quem não tem medo ou receios. A alegria de quem, por mais anos que passem, continua a acreditar. Salto e corro. Salto e corro...
Hoje vou fazer bolos pequeninos de chocolate. Amanhã regressas...

1 comentário:

Anónimo disse...

Hey!!
Os teus textos são simplesmente maravilhosos...
Continua assim!! Bjs